Roça e engenho da Família Souza
Garopaba, Santa Catarina
A família Souza é originária de Garopaba. Eles são filhos da cultura do engenho por herança. Com o passar dos anos, como aconteceu em muito engenhos de Santa Catarina, os filhos das famílias donas dos engenhos decidiram trilhar outros caminhos. As terras do litoral catarinense começaram a se transformar em ouro para os especuladores imobiliários e por consequência, a pressão do mercado sobre os governos públicos afetou diretamente aos agricultores que lentamente foram perdendo ou vendendo suas terras para poder pagar impostos. Mudaram os zoneamentos e as áreas rurais mudaram para áreas residenciais ou industriais. Os impostos aumentaram e já não era viável financeiramente, nem legalmente utilizar a terra para o que sempre foi utilizada: a matéria prima para os nossos alimentos. Muitas vezes os donos, cansados do trabalho forçado da roça ou por exigências das regulamentações de salubridade pública, faziam que as finanças do engenho também ficassem inviáveis e mudavam de atividade. Os produtos derivados da mandioca já não eram consumidos como antes. Hoje, o trigo e os ultraprocessados têm tomado conta das prateleiras dos mercados e das mesas brasileiras. Mas apesar de tudo isso, existem famílias como a do João, que sentia esse respeito pelo trabalho da roça e o engenho desde pequeno. Quando a sua família deixou de se dedicar ao plantio e processamento da mandioca, João correu para o engenho do seu sogro e continuo trabalhando ali. Com o tempo, a família de Maria, sua companheira, também deixou de utilizar o engenho, então João decidiu montar o seu próprio engenho. Assim nasceu a história do engenho da família Souza, uma nova geração emergente que decide dedicar a sua vida à biocultura da mandioca, não somente pela tradição, mas também como forma de subsistência e comercialização dos produtos.
As boas vindas já anunciavam como seria o trabalho fotográfico com a família Souza. A roça estava localizada a beira mar da praia do Silveira, uma das praias mais bonitas da cidade de Garopaba. Acredito que o impacto da paisagem daquele lugar ficou desenhado no meu rosto 
porque Maria e João começaram a rir e me perguntaram: “Não esperava uma roça aqui, né?” 
Na parte da manhã o João trabalha com a manutenção num condomínio e pela tarde dedica-se ao trabalho no engenho e roça, cuidando dos animais, da produção e manutenção do engenho junto 
com a Maria e seu filho Filipe.
João tem várias roças espalhadas pela cidade. Em cada uma planta diferentes espécies de mandioca.
Através d sua atitude e o sorriso em seu rosto na hora do trabalho percebemos como essa atividade faz parte naturalmente da sua essência, da sua vida, sem o peso da obrigação.
“12 balaios”, exclama João assim que chego na roça. Logo corri para pegar a minha câmara e registrar os momentos de retirada de mandioca de 12 meses.
Essa atividade é hoje uma raridade no litoral catarinense. Terras que antigamente eram utilizadas para plantios de alimentos que nutriam a população, são hoje utilizadas para construção civil e casas de veraneio que permanecem fechadas na maior parte do ano. Donos de terras e casas que pagam altos impostos, agricultores que ficam sem terra para plantar um alimento sustentável, famílias inteiras que precisam trabalhar dia e noite para poder servir 
alimentos ultraprocessados nos pratos dos seus filhos.
O barracão onde se processa a mandioca fica no bairro do Macacu, perto de vários pontos turísticos. Localizado no pé do morro, tem uma paisagem admirável para poder trabalhar sem pressa. 
Cada membro da família tem a sua atividade pessoal durante a manhã. Mas pela tarde o 
trabalho é na roça e no engenho. A família se senta em banquinhos de madeira ao redor da 
pila de mandiocas. Cada um pega uma faca e começa a raspar. Eu me sento junto e eles me 
mostram como o trabalho é colaborativo. Uma pessoa raspa meia mandioca e joga a mandioca no meio. A pessoa da esquerda pega a mandioca raspada pela metade e termina o trabalho.
O café da tarde foi caprichado. “Gostaríamos muito de poder fornecer esta experiência para 
as pessoas que queiram conhecer. Nós contamos com a possibilidade de fazer isto o ano todo, 
porque a mandioca é o nosso trabalho diário”, diz a Cida. Por isso o engenho faz parte 
da Rede Catarinense de Engenhos de Farinha de mandioca. Além de produzir seus próprios 
produtos derivados da mandioca que são vendidos em armazéns locais.
Considerada uma das culturas mais antigas do País, a mandioca foi eleita pela Organização 
das Nações Unidas (ONU) como o alimento do século 21. Isso porque, além de ser um 
ingrediente versátil nas condições de plantio e na culinária, tem papel nutricional 
importante.
Cada engenho tem a sua forma de fazer as coisas e é por isso que cada farinha é diferente.
Trabalhar nem sempre precisa ser sinônimo de sofrimento. Apesar de ser um sacrifício e 
precisar de muito esforço físico, em alguns casos o trabalho no engenho faz parte da vida diária da família. No engenho da família Souza, fui testemunha de como um relacionamento 
pai-filho pode ser nutrido por meio do compartilhar das atividades diárias.
João me chama antes de realizar cada atividade para eu não perder o foco de nada do que está acontecendo. “É importante realizar o prensado aos poucos. Se fizer muito rápido daí você 
tira todo o amido da farinha e ela se resseca.”
A farinha é colocada em um cocho de um tronco só. Algumass das ferramentas e maquinários que 
os Souza tem no engenho fazem parte da herança familiar. Outras, como o forno, foram 
feitas pelo próprio João.
O cenário do engenho muda a cada horário. A luz faz que o mesmo lugar possa ser fotografado várias vezes no mesmo dia e parecer que foi feito em diferentes espaços. Com o passar das forneadas, o pó da farinha polvilhada começa a ficar no ar e cubrir todas as superfícies.
O que faz a farinha de Santa Catarina ser diferente de outras farinhas do Brasil é o 
peneirado. A farinha é peneirada várias vezes antes de ser finalizada. Assim fica fina como talco.
O conhecimento de fornear é ancestral e compartilhado de forma oral e experimental de pai 
para filho. Dessa forma, a farinha mantém a qualidade e particularidade típica de cada 
engenho. Filipe é um aprendiz dedicado. Acompanha, observa e auxilia em cada processo, inclusive na venda dos produtos.
Família Souza
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